Trabalho degradante não é trabalho em condições análogas às de escravo. A lei trabalhista admite o trabalho em condições de risco à saúde ou à vida, desde que sejam pagos adicionais de insalubridade e periculosidade. Somente quando os benefícios não forem pagos, ou quando não houver condições mínimas de trabalho, saúde, segurança, alimentação, higiene, moradia e respeito, é que ocorrerá a conduta criminosa tipificada pelo artigo 149 do Código Penal.

 Esse foi o entendimento firmado pela Justiça Federal do Pará ao absolver duas vezes, no intervalo de aproximadamente um ano, um fazendeiro das acusações de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão em suas fazendas no interior do estado.

 “Em duas decisões louváveis, a Justiça demonstrou que não se pode confundir trabalho rural com trabalho escravo e conteve o ímpeto punitivo dos órgãos de fiscalização do Estado”, avalia a advogada Thais Rego Monteiro, do Camargo Lima, Sinigallia e Moreira Lopes Advogados, que representa o fazendeiro.

 A primeira acusação destacou a suposta contratação de mão de obra sem o devido registro em carteira, acomodação dos trabalhadores em locais desprovidos de condições mínimas de conforto, saúde e higiene e ausência de instalações sanitárias no local, entre outros. Já a segunda denúncia, de acordo com o Ministério Público Federal, teria encontrado 53 trabalhadores em condições precárias de trabalho. Uma dessas “precariedades” seria o fato de famílias de diferentes trabalhadores estarem acomodadas em um único alojamento, o que lhes tiraria a privacidade.

 Em ambos os processos o juiz federal Omar Bellotti Ferreira, de Castanhal (PA), não viu provas dos abusos alegados pelo MPF e absolveu o fazendeiro das acusações.

 “Não foram provados a omissão no pagamento de salários, o aliciamento de trabalhadores, o cerceamento da liberdade ambulatória, a manutenção de vigilância armada, a existência de coação física ou moral, a imposição de jornada de trabalho extenuante, nem tampouco a existência de servidão por dívidas”, atestou o juiz.

 Quanto ao fato de o alojamento comportar um número excessivo de pessoas, Ferreira apontou que “a instrução processual mostrou que em verdade tratava-se de parentes do empregado Pedro Corrêa, o qual, em princípio, habitava imóvel na sede da fazenda unicamente com seus filhos. Aconteceu que um filho seu, Maciel Corrêa, levou a companheira grávida para morar com seus pais, uma vez que eles não tinham moradia própria. Convivia ainda na mesma casa um sobrinho (ou primo) daquele, cuja esposa (ou companheira) o estava visitando no momento da fiscalização”.

 Para o juiz, essa situação ocorria por causa do “grau de afetividade” dos moradores, e não por eles “supostamente serem impossibilitados de dispor de alguma privacidade”. Logo, não há violação da dignidade humana, concluiu Ferreira.

 Segundo a advogada Thais, é preciso diferenciar trabalho escravo do trabalho rural em grandes fazendas, e impedir a crescente generalização das condições criminosas estabelecidas no Código Penal.

 “No Pará, os órgãos que fiscalizam a prática do trabalho escravo cometem muitos abusos. Antes de se apontar a existência desse crime, é preciso conhecer o tipo específico de trabalho desenvolvido pelos trabalhadores rurais, bem como as circunstâncias regionais e culturais em que estão inseridas essas pessoas. É preciso distinguir trabalho escravo − crime que deve ser combatido com veemência − do trabalho rural em grandes propriedades situadas no estado. Não se nega a existência, na prática, desse tipo penal. O que não se pode tolerar é a gravíssima generalização de acusados e acusações”, opina a advogada.

 Por Sérgio Rodas

 Fonte: Conjur